segunda-feira, 21 de novembro de 2011

O meu Troia Sagres a Solo

Motivação

Quando em Janeiro, com apenas 4 meses de BTT, defini os meus objetivos para 2011 (ou aquilo que eu pensava serem os meus objetivos) tinha definido 3 : Fazer uma maratona completa (acabei por fazer 3), fazer os Caminhos de Santiago e a meia maratona de Portalegre. O Troia/Sagres nem foi equacionado porque me parecia algo inatingível. 200km eram 200kms e para quem só fazia 40,50 ou 60 de BTT, os 200 estavam realmente longe do meu horizonte.Também confesso que não me seduzia andar tanto tempo em alcatrão.

Quando há um mês comprei a fininha, o Troia Sagres passou logo a ser um dos meu primeiros objetivos. Em primeiro lugar já fazia relativamente bem 100..130km de estrada em BTT com pneu largo, e em segundo o caminho em si. Desde há muitos anos que vou sempre passar férias a Aljezur, Carrapateira, Sines, Sagres, etc. São locais e estradas que conheço muito muito bem e que me trazem muitas e muito boas recordações.
Porquê sozinho? Bem... a resposta a esta pergunta dava para escrever páginas e páginas, mas vou responder de uma forma abstrata. Em tempos li algures que uns dos maiores sinais de intimidade entre duas pessoas, é a capacidade de partilharem o silencio. Acho que isto é verdade também para a própria pessoa. Uma pessoa só se sente bem completamente sozinha se realmente for feliz e se sentir feliz, caso contrario a solidão é insuportável. Fazer um desafio destes, a solo, e ter no final à minha espera hoje (como há 6 meses na Praça do Obradoiro) as minhas duas mais que tudo, é das melhores coisas que já senti. Vou ter muitos momentos de companheirismo e amizade, mas hoje é para mim.


Preparação

Quando planeei esta aventura, com base no que conheço do caminho, na analise do track e nos relatos de pessoal que já fez o Troia/Sagres (e como Gestor de Projecto que sou), identifiquei imediatamente os factores críticos de sucesso e os riscos.

Os fatores críticos de sucesso, no meu entender eram basicamente 4: Tempo. Nesta altura do ano é noite às 17:30, e o primeiro barco chega a Troia às 7:15. Sobram 10 horas. Mesmo só com uma hora de paragem, para chegar de dia, a média da viagem tem que sempre ser igual ou superior 23..24km/h. Isto cria outro ponto Ritmo. É uma viagem que não pode ser feita em ritmo de passeio. O Clima. Com vento sul esta aventura toma outra dimensão. Velocidade mais baixa, esforço muito maior, chegar de noite... não, este fator eliminei. Só iria a Sagres sozinho num dia em que não houvesse vento sul. Gestão - Gerir as pernas, as zonas de frequência cardíaca, as dores no pescoço, as dores nas costas, os pontos de paragem, gerir a motivação, sofrimento, etc..
A viagem pode ser dividia em 3 partes.
O primeira até São Torpes - 75kms fáceis, com bom piso e pouco transito. Tentar chegar aqui sem parar, com um ritmo alto mas sem deixar as pulsações passar dos 80%, para garantir o mínimo desgaste. O segundo entre São Torpes e o Rogil. Aqui basicamente são dois troços. De VN Milfontes até São Teotónio, é um falso plano de quase 20kms com uma subida no fim, que até de carro é muito monótono e a descida e respetiva subida para Odeceixes. A subida mais complicada de todo o percurso. A terceira parte é basicamente entre Aljezur e Vila do Bispo/Sagres. (aqui havia pelo menos duas subidas complicadas).
No melhor cenário, o objetivo era chegar ao Rogil sem grande sofrimento e sem entrar em regime anaerobico. Depois os últimos 50kms, mesmo que sofresse ja estava a chegar, e tinha confiança que mesmo em sofrimento aguentava 2 ou 3 horas.
Para garantir que conseguia gerir os tempos da viagem, fiz em Excel uma lista com os pontos de passagem (aproximadamente 15), respetivo km de passagem, media previstas em cada troço, tempo de paragem previsto, etc. Com este Excel, consegui planear em que sítios iria parar e quanto tempo, assim como um horário previsto de passagem em cada ponto de modo a chegar a Sagres às 17h. Ficava ainda com 30 minutos de margem de erro. Fiz uma pequena cabula plastificada com esta grelha para colocar no bolso do jersey.


A Viagem

Acordei às 4:50 da manhã. Usei o truque que li no blog do mestre Vitor Gamito, e o meu pequeno almoço foi uma tigela de Aletria e 2 bcaa's antes de sair de casa. Aletria = Massa, ovo, açúcar...é quase um almoço em forma que pequeno almoço.
Apanhei o primeiro barco das 6:45 que me fez chegar a Troia às 7:11. Hora oficial do arranque.

Começo a pedalar praticamente de noite em com muito frio. De modo a poder comer barras pelo caminho, falar ao telemóvel e ver a minha cabula em andamento levei luvas sem dedos. Muito me arrependi no inicio da viagem tal era o frio, mas depois la acabaram por aquecer. Este inicio da viagem é mágico. Não se vê um carro. Mar de um lado, rio do outro, silencio absoluto.Pedalando com calma mas com algum ritmo chego a Vila Nova de Santo André com aproximadamente 50km ainda descontraído e apenas com uma barra energética no "buxo". É muito importante comer sem ter fome e beber sem ter sede, caso contrario seria lá mais para a frente que ia pagar a factura.

Chego a São Torpes muito cedo. Consegui fazer como o guia do António Malvar. Paro só ao km 75 para comer uma sandes da mochila ... e uma banana tambem :).

Quando passo são Torpes e vou a virar mais à frente para Porto Covo tenho o primeiro contratempo. Um sinal dizia que o transito no sentido de Porto Covo estava cortado mais à frente. Dizia também que o caminho para VN Milfontes devia ser em frente. Bem, eu conheço bem este caminho... em frente tenho que atravessar a Serra do Cercal. Mais kms e muitas mais subidas vão dar cabo do meu planeamento de viagem. Tomo uma decisão. Vou arriscar e vou virar para o caminho por onde dizem que o transito está cortado. Isto é uma bicicleta... vou conseguir passar. Mais à frente, quando chego ao cruzamento para a ilha do pessegueiro dou com um sinal de transito proibido e uma seta de desvio para a ilha do pessegueiro. Bom, eu sei que a estrada da Ilha do Pessegueiro não tem saída. Sei também que a única maneira alternativa de sair da Ilha do Pessegueiro é uma estrada de todo o terreno cheia de areia que vai dar à praia dos Aivados e à Ribeira da Azenha que é a localidade por onde passa o caminho normal e que devia estar cortado. E prontos, o desvio é por um caminho de BTT. Bem... não quero voltar para trás, pode ser que a fininha passe por esse caminho. E assim fiz de bicicleta de estrada 5km numa estrada de terra batida, cheia de buracos e agua, com uma descida cheia de lama onde só não caí "á seria" porque não sei porquê recuperei de um slide brutal com a fininha que mesmo de BTT não tinha sido fácil recuperar.

Quando cheguei à estrada principal ainda estava na Ribeira da Azenha. Andei mais um pouco passando pelo desvio para o Malhão e parei nas Brunheiras. Aqui bebi um muito rápido café, respirei fundo, pus o incidente para trás e foquei-me de novo na viagem e no que tinha pela frente.
Por esta altura já ia com cerca de 20, 30 minutos de avanço em relação ao planeado, mas como as dificuldades estavam todas adiante, o mais certo era precisar desse tempo ainda.



Passo por VN Milfontes e começo a subir para São Teotónio. Bom... grande seca. O tal falso plano, sem o Cardio-Frequencimetro tinha-me estragado a viagem. 15 ou 20kms onde tinha feito sem grande esforço uma média de 30km/h, mas que o iria fazer a 85..90% da minha pulsação máxima... ia de certeza pagar por esta parvoíce mais à frente, pelo que nem por 10 minutos me deixei enganar. Respiro fundo, esqueço a média e pedalo com calma pondo a cabeça noutro sitio e tentando gozar a tranquilidade que estava à minha volta. Tinha pensado para mim que só vou deixar a minha pulsação chegar pela primeira vez chegar aos 90% (mesmo que pontualmente) na subida de odeceixes ao km 140.



Passo por São Teotónio, que era o ponto de maior altitude da viagem, com alguma facilidade. O primeiro obstáculo estava ultrapassado. Agora descia a 50km/h a caminho à entrada no algarve. E que entrada... Odeceixes.

Como apenas tinha feito esta estrada de carro, não tinha memória das dificuldades reais da mesma a pedalar. Numa tinha reparado no falso plano de São Teotónio, na subida da Carrapeira, etc. A única coisa que me lembro é da subida de Odeceixes. Varias curvas e contracurvas muito apertadas e de desnivel muito acentuado, onde ja ia levando com varios carros em contra mão, tal é o perigo deste troço.


Voltando à viagem... paro no inicio da subida para a foto da praxe e como apressadamente uma banana, uma vez que faltavam apenas 10kms para a segunda paragem do dia no Rogil. Esta subida era... apenas um mito. A subida não deve ter mais de 1 ou 2 km, o que dá uns breves minutos a pedalar em pé, que por mais que custem, não me iriam causar nenhum mal. Seria complicado sim se tivesse chegado aqui em sofrimento, mas neste caso serviu apenas para confirmar que me sentia muito bem.

Quando parei no Rogil ao km 150 para comer alguma coisa quente e encher os cantis de água, sentia-me muito bem e tive noção pela primeira vez que ia conseguir chegar a Sagres. Ainda devia aguentar mais uns kms bons antes de começar a sofrer, pelo que a sofrer deviam já ser só 20 ou 30kms.

Desço para Aljezur com a confiança redobrada e já com 45 minutos de vantagem em relação ao planeado. Passando Aljezur, subo para o desvio para Sagres a sentir pela primeira vez o sol e o calor. A subida até foi feita facilmente, mas depois, à passagem por umas das localidades históricas da minha vida, Vale Figueiras (onde a minha pequena mais que tudo foi fabricada), numa zona de constante sobe e desce, senti pela primeira vez as pernas a sofrer.

Quando depois de pedalar em pé e me ia a sentar (numa altura em que dou sempre um coice para empurrar a bike para a frente) senti um leve prender de câimbria na perna esquerda. Felizmente nunca tive câimbrias a pedalar, quando tenho é sempre em repouso duas ou três horas depois dos esforço. Com o susto abrandei e deixei de pedalar em pé.
Foi então já com algum sofrimento que cheguei à Carrapateira ao km 175. Sento-me num banco de jardim, como um barra energética, uma banana, um gel (shot de acuçar e cafeina) e faço alguns alongamentos.





Como sempre, o shot de cafeína da-me autenticamente asas, e foi sem dores nas pernas, que subi sem qualquer tipo de dificuldade aquilo que pensei que ia ser o pior obstáculo. Os quase 10kms de subida da Carrapateira ao parque eolico de Vila-do-Bispo.



Entrei em Vila do Bispo a mais de 50km/h a descer a aos berros. Tinha chegado! Agora eram apenas 10kms em frente até Sagres. Como por magia, quando entro na nacional 125 a caminho de Sagres, estava um vento brutal nas costas.... e fiz, como que empurrado por uma mão superior, aqueles 10km a mais 40km/h, onde mesmo quando parava de pedalar não descia dos 38, 35km/h.





Cheguei uma hora antes do previsto, ainda de dia, a sentir-me muito bem, e com uma sensação de plenitude que me encheu o corpo e a cabeça. Como uma droga, esta sensação mal me deixou gozar o momento e pôs-me logo a pensar nos próximos objetivos. Além de repetir a volta com os amigos Metralhas passado 3 semanas, algumas coisas mais desafiantes para 2012.

Acabei o dia como tantos outros já acabei naquela zona, com alta Mariscada lowcost na Azenha do Mar.


PS: Desculpem a pouca quantidade de fotografias e a sua baixa qualidade mas tirando a de Odeceixes e a final em Sagres foram todas tiradas em andamento.