quarta-feira, 23 de março de 2011

Mais um passo

Dia a dia, passo a passo, km a km vai-se aproximando a partida.

As últimas semanas foram passadas em preparação para um evento especial. Especial porque não é um fim em si mesmo, especial por ser mais um passo e ao mesmo tempo por ser mais do que um passo.
Todos os dias, de algum modo, me aproximo de um limite. Seja porque me dói os joelhos quando pedalo em pé a frio, seja porque saio de casa para o trabalho a pedalar e não baixo dos 30/35km/h de média o caminho todo, seja porque quando volto a casa faço questão de subir a subida das vacas sem “avozinha” e chego lavado em suor e com as pernas a latejar...

No entanto tenho sempre a sensação que não toquei lá… no meu limite. Que ainda aguento mais um pouco de suor, mais um pouco de dor, mais uma subida…
Como respondi no outro dia a uma amiga, para te medires precisas de uma fita métrica mais alta que tu. Esta expressão diz-me muito, porque com 194cm, muito cedo deixei de ser mensurável na fita métrica do meu pediatra :).

Foi isto que fiz. Arranjei a maior fita métrica que consegui. Uma etapa da Transportugal. 144km e 2600m de acumulado são de facto um desafio que me garantia chegar ao meu limite muito antes da meta. Com uma preparação a rigor-  90km feitos durante a semana em 4 dias sempre no limite das minhas força e um dia de total descanso no sábado – lá fui eu com mais 3 aventureiros amigos.


Numa análise previa ao percurso e analisando a média que costumo fazer em voltas grandes, rapidamente vi, que mesmo que aguentasse os 144km, não os iria conseguir fazer dentro do número de horas de luz do dia. Estabelecemos uma meta: os 3 dígitos. 100km. Seria o meu record absoluto e uma marca de respeito. Como contingência deixamos em aberto a hipótese de fazer mais 15, 30 ou os 44km finais.

Lá saímos nós às 8:30 da manhã cheios de comida e de água no Camelbag, e com muita vontade de sofrer.
Como sempre comecei desconfortável… estes primeiros 20km são sempre uma chatice. As pernas reclamam, os joelhos também, e o rabo também não lhes fica atrás.  Km a km, paisagem a paisagem, elevação a elevação tudo foi passando e entrei num estado de plenitude que nada fisicamente me incomodava. O que sentia agora era o cheiro dos eucaliptos… o cheiro da esteva… a adrenalina das descidas… enfim sentia tudo o que de bom havia para sentir.

Os muitos km acumulavam-se calmamente nas pernas e nos meus sentidos, até que, mais ou menos ao km 75 um valor mais alto se levantou. O espírito de equipa.


Neste momento, mais do que em qualquer outro momento neste dia, caímos na realidade – vamos ter que sofrer. Não o sofri eu… pelo menos não neste momento. Sofreu-o um colega de viagem. Mas junto com ele sofremos, e sentimos a sua dor km a km, e vimos e sentimos o seu querer. Pedalada a pedalada, já com o sol a querer descer lá chegamos ao nosso primeiro objectivo. Afinal não eram 100 mas 105km.
Numa rápida análise, concluí que muito estranhamente ainda não estava no meu limite. Estranho… mas… com o corpo quente e as pernas ainda embaladas… lá decidimos ir à próxima paragem. Eram mais 10 ou 15km que sabíamos iam ser mais duros… mas 10km são 10km e lá fomos.



Fomos logo recebidos pela mais brutal paisagem do dia ao atravessar a ponte sobre o rio Tejo em Vila Velha de Rodão. Daí foi sempre a subir…até entrarmos numa fantástica descida cheio de pedras soltas (ou seriam mais lages?), que nos levou numa corrida alucinante (mais alucinante para mim porque fui com a suspensão bloqueada por engano) até uma ponte romana. Dessa ponte romana até ao fim foi sempre a subir.

Aí começou pela primeira vez o sofrimento. As pernas latejar e a arder, as mãos, braços, pescoço, cabeça… tudo dorido de tantas horas a trautear os 115km de caminho com que chegamos ao final da subida.
À chegada, mesmo lá acima, não sei se pela luz dourada que nos iluminava as costas, se pela sensação de plenitude de dever cumprido, não senti dor… não senti vontade de me deitar no chão a descansar…  não senti nada disso.
Senti… vontade de continuar. Houvesse mais horas de luz do dia… ou mais dias seguintes… ou outros caminhos para fazer. Acabei de rastos, mas mais uma vez cheguei ao fim com a mesma sensação com que chego a casa depois da subida das vacas. Ainda aguento mais um pouco de suor, mais um pouco de dor, mais uma subida… mais um km.
Para a posteridade ficam as paisagens, os kms, o record, o companheirismo, e esta imagem do momento em que pus o pé no chão no final dos 115km e em que pensei que ainda não tinha chegado lá… ao limite.

1 comentário:

  1. Foi um orgulho "sofrer" esses primeiros 105km ao vosso lado... uma pedalada de cada vez, uma lágrima de cada vez, uma subida de cada vez...
    Bem hajam pelo vosso companheirismo.
    Alex

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