quinta-feira, 5 de maio de 2011

Dia 3 - Porriño - Santiago de Compostela 102.6 km

Hoje o dia começou cedo. Saímos às 7:30 da pensão já a pensar nos 100km que tínhamos pela frente. Ao arrancar as costas doíam como nunca, e as pernas não davam sinais melhores. Quase não arranjávamos pequeno-almoço aquela hora, em pleno domingo de Pascoa. Escrevo via telemóvel no Facebook: “Algo que me diz que não me vou esquecer nunca deste dia”.
Começamos a rolar eram cerca de 8:15 da manhã em direcção a Redondela que era o nosso ponto de dormida original no dia anterior. Muito a custo faço os primeiros kms,  que são sempre os mais difíceis.  Tínhamos assinalado um conjunto de pontos a vencer neste dia. Todos subidas difíceis, e que iam aumentando à media que o dia ia passando, culminando na subida para o Milladoiro e a subida do Hospital já à chegada a Santiago.
A primeira prova do dia aconteceu ao km 15. A subida da rua ou calçada dos Cavaleiros. Era uma subida de cerca de 150m de desnível em 1 ou 2km. Mesmo num dia normal, já seria uma subida difícil, mas num dia como este, depois de tudo o que já tínhamos feito, poderia ser a pedra que nos faria tropeçar logo no inicio deste longo e derradeiro dia.
Resolvo, como sempre (ou quase sempre) subir a pedalar. Devagar, controlando cuidadosamente a respiração, subo metro a metro, rua a rua, curva a curva a subida. No topo, dou-me conta que, agora com o corpo aquecido, me sentia bem. Não sentia o cansaço do dia anterior, não sentia as costas, as pernas e a cabeça. Apercebi-me pela primeira vez nesse dia que… é possível. Vou mesmo conseguir.
Seguiu-se uma vertiginosa descida para Redondela cheia de adrenalina, num cenário digno dos Alpes no verão. 


Chegando a Redondela, tomamos um segundo pequeno-almoço à porta do albergue onde devíamos ter dormido na véspera. 15 minutos de paragem e estávamos de volta à estrada.






O sol e o calor apertavam à medida que a hora de almoço se aproximava. E foi com esse calor e com um vento forte de frente que chegamos a Pontevedra para almoçar. Paramos para comer uma sandes mesmo no centro por onde passava o caminho.



Terminado o almoço e seguimos para Caldas de Reis. O Caminho aqui ia levar-nos a uma subida de pedra e de calçada romana que tinha de ser feita a pé.  Este foi outro dos momentos do dia. Agora em ritmo lento, a pé e respirando fundo, deixando o som dos pássaros e da agua que corria acalmar o espírito e controlar a ansiedade, subimos passo a passo este troço. A plenitude foi tal, que, mesmo em alguns intervalos ciclaveis, preferi ir a pé e estender por mais uns minutos este  momento relaxante e que me ia preparando e restabelecendo para o resto do dia.
 





Chegamos a Caldas de Reis a meio da tarde, ainda com as pernas em muito bom estado. Paramos breves instantes em Caldas de Reis para encher o Kamel Bag de Água.
Depois de Caldas de Reis, mais uma das difíceis subidas do dia. Daqui para a frente seria quase sempre assim. Subimos em terra batida, pelo meio de aldeias e por trilhos ao lado da auto-estrada. Depois apanhámos uma das decidas mais divertidas e bonitas da viagem. Ao lado da auto-estrada, numa descida estreita e vertiginosa no meio de um brutal bosque que fazia lembrar a Mata da Albergaria do Gerês, mas com o caminho mais estreito e uma descida muito mais acentuada.





Chegamos a Padron eram umas 5 da tarde. Faltavam os derradeiros kms assim como as derradeiras subidas. As pernas marcavam já muitos kms acumulados, mas por mais estranho que fosse não os sentia. Sentia-me bem. Sentia que não queria parar a não ser lá em cima, na praça do Obradoiro. Ao longo dos últimos 3 dias tinha imaginado a subida final, os kms finais, nos limites das minhas forças… Contanto km a km antes de começar a subir, vou gerindo as minha forças. Tomo o Gel da ordem na base na primeira subida… Sentindo-me muito bem, comecei por pedalar devagar, respirando fundo, fugindo à avozinha e esforçando-me por manter a pedaleira do meio. Pedalada a pedalada, a exaustão não chegava e eu ia abusando. Chego ao Milladoiro a sentir-me muito bem, com a respiração calma e com as pernas ainda longe da exaustão final que tinha imaginado.


Quando vejo a Catedral ao longe pela primeira vez, um rasgo de adrenalina correu-me no sangue, e mesmo sabendo que ainda faltava a subida do hospital, voei como nunca pela íngreme descida em singletrack que desce para Santiago. Nunca tinha arriscado tanto numa descida, e nunca também tinha pensado tão pouco no que me podia acontecer. O meu coração agora estava a 1000 e não era de cansaço. Tinha a meta, a minha filha e a minha mulher à minha vista ao final de 3 solitários dias.


Chegamos à base da descida do hospital, e vê-mos que uma seta indica uma alternativa nova de caminho poupa os peregrinos à subida. Mas não, não cheguei aqui para ir pelo sítio mais fácil. Pedalada a pedalada, com calma, inicio a subida do hospital. É uma versão duplicada em cumprimento e esforço da “minha” subida das vacas. Que é a derradeira subida de todas as minhas voltas ao pé de casa e que me faz sempre chegar no limite a casa. Mas hoje não, subo com calma, sinto alguma exaustão, mas insisto em levar-me ao limite como tinha idealizado e subo em pé, com uma cadencia lenta e pesada todos os metros restantes deste ultimo obstáculo. Lá em cima, espero pelo meu colega de viagem, e entramos os dois triunfantes em Santiago, e na praça do Obradoiro. 



Por muito estranho que pareça, nesse dia, o mais longe (102.6km), o mais duro (1900 de acumulado) e já com três dias nas costas, eu cheguei bem. Muito bem mesmo. Não sei se faria mais 10, mais 20 ou mais 30km. Nem se fazia mais 2 ou 3 dias com o mesmo ritmo. Hei-de ter oportunidade de testar isso, mas para já o Orgulho e a felicidade de ter conseguido este feito (que para muitos pode ser pequeno) ninguém mo tira. Isso e o bichinho de voltar ao Caminho. Desde Lisboa? Desde França? Desde Sevilha? Não sei, mas sei que vou voltar!

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